Ser Anglicano é ser Católico

Ser Anglicano é ser Católico

Além de Roma, além das fronteiras

A palavra “católico” vem do grego καθολικός (katholikós), que significa “universal” ou “segundo o todo”. Esse termo foi usado nos primeiros séculos do Cristianismo para descrever a fé apostólica transmitida a toda a Igreja, sem limitação geográfica ou cultural.

Assim, ser católico não significa, necessariamente, ser Católico Romano. Ser católico significa pertencer à Igreja universal, à comunhão dos fiéis em Cristo espalhados por toda a criação.

A catolicidade Anglicana

A tradição anglicana mantém essa catolicidade, pois preserva a fé apostólica, a sucessão episcopal e os sacramentos instituídos por Cristo. No entanto, o Anglicanismo não se define pela submissão ao Bispo de Roma nem pelos dogmas impostos pelo Concílio Vaticano I. A Igreja Anglicana entende a catolicidade não como um sistema fechado de doutrinas obrigatórias, mas como uma fé viva, enraizada nas Escrituras, na Tradição e na Razão.

Os anglicanos mantêm sua unidade através da comunhão com o Bispo Primaz da Igreja Anglicana, o Arcebispo de Cantuária, mas ele não é uma autoridade de fé como o Papa é para os católicos. Diferente da Igreja de Roma, a Comunhão Anglicana não tem uma figura central infalível. Nossa unidade é baseada na partilha da mesma tradição histórica e teológica, respeitando a autonomia de cada província anglicana.

Diferenças essenciais

Ser cristão anglicano não é ser católico romano. O Anglicanismo, nascido da Reforma Inglesa no século XVI, compartilha algumas características com o Catolicismo Romano, mas também possui aspectos claramente protestantes e evangélicos.

Eis algumas diferenças:

A Autoridade da Igreja: Os anglicanos não reconhecem o Papa como autoridade suprema. Nossa autoridade está na Escritura, na Tradição e na Razão, guiadas pelo discernimento comunitário e pela autonomia de cada província anglicana.

 A Natureza da Igreja: A Igreja Anglicana não é uma igreja monolítica centralizada em um único líder. Somos uma comunhão de igrejas autônomas unidas por laços históricos e teológicos, sem uma autoridade central infalível.

Doutrinas Marianas: Embora os anglicanos honrem Maria como Mãe de Deus (Theotokos) e modelo de fé, não reconhecem certos dogmas marianos romanos, como a Imaculada Conceição e a Assunção de Maria, pois não encontram base suficiente nas Escrituras para considerá-los verdades essenciais de fé. Não há uma posição dogmática na igreja anglicana sobre o assunto.

Dogmas vs. Confissão de Fé: A Igreja de Roma impõe dogmas obrigatórios, enquanto o Anglicanismo é confessional, ou seja, fundamentado em credos e confissões históricas, como os “Trinta e Nove Artigos de Religião” em algumas Províncias da Comunhão Anglicana e o “Livro de Oração Comum”. Isso significa que há espaço para debate e crescimento teológico, sem a necessidade de aceitar dogmas irrevogáveis.

A identidade Anglicana

Os anglicanos têm sua própria identidade. Podemos parecer católicos em alguns aspectos, como na liturgia e na sucessão apostólica, e podemos parecer evangélicos em outros, como na ênfase nas Escrituras e na liberdade teológica. Mas, acima de tudo, somos anglicanos.

O Anglicanismo é uma tradição que carrega em si a herança da Reforma Protestante e, ao mesmo tempo, a continuidade da fé católica primitiva. Isso significa que um anglicano pode se identificar como protestante, pois rejeita o controle romano e valoriza a justificação pela fé, a primazia das Escrituras e a centralidade de Cristo. Pode se identificar como evangélico, pois prega o Evangelho e valoriza a experiência pessoal da fé. Mas também é católico, pois mantém a sucessão apostólica, os sacramentos e a liturgia histórica da Igreja.

Portanto, não podemos confundir catolicidade com romanidade. Ser anglicano é estar em comunhão com a Igreja universal, mas sem submeter-se a um único centro de poder. Nossa identidade está na fé dos apóstolos, no seguimento de Cristo e na liberdade da consciência cristã.

 

Marcelo Ikijire Bessa, Ministro Pastoral da DASP